A UEM tem que construir incentivos sérios para a pesquisa
Prof. Doutor Andes Chivangue, docente da ESNEC
O entrevistado desta semana para esta página dedicada a docentes/investigadores chama-se Andes Chivangue, de 44 anos, natural da Cidade de Xai-Xai, província de Gaza. Docente na Escola Superior de Negócios e Empreendedorismo de Chibuto (ESNEC), é doutorado em Estudos de Desenvolvimento pelo Instituto Superior de Economia e Gestão de Lisboa (ISEG), Portugal. Na sua carreira de investigador, conta com diversos estudos realizados ao nível nacional e internacional, com destaque para a área de saúde.
O que o motivou a fazer doutoramento em Estudos de Desenvolvimento?
Obtive uma bolsa da Fundação Ford para fazer mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional. Escrevi sobre Economia Informal e as características do Estado Moçambicano. O arguente na defesa coordenava um programa de pesquisa na área e, dada a qualidade do trabalho e da defesa (19 valores) ele pediu-me que fizesse parte da equipa dele de pesquisa e uma das condições incluía frequentar um curso ao nível do doutoramento. Estudos de Desenvolvimento era o curso adequado para o que me interessava pesquisar nessa altura.
Prof. Chivangue tem estado envolvido em vários projectos de investigação, com destaque para a área de saúde. Porquê a concentração nessa área?
A formação proporciona-nos um manancial de ferramentas de natureza teórica. Quando regressei da formação senti a necessidade de colocar à prova todo o arcaboiço de teorias que trazia na bagagem. A área de saúde foi o espaço que me pareceu mais adequado para o fazer pois permite trabalhar com as instituições do Estado, com os parceiros de cooperação que financiam o sector da saúde e as comunidades beneficiárias dos serviços de saúde. O trabalho que faço na área de saúde não só me permite contribuir sob o ponto de vista de pesquisa que alimento o corpo de conhecimento disponível como também informar os decisores políticos sobre eventuais caminhos a seguir, em matéria de política pública, para responder às necessidades das comunidades.
Actualmente, está a desenvolver um estudo sobre o funcionamento do Mecanismo de Financiamento Global para Mulheres, Crianças e Adolescentes (GFF) no país, essencialmente, qual é o objectivo?
Este estudo é primariamente financiado pelo Countdown 2030 e o objectivo é informar a nova meta narrativa de desenvolvimento comummente conhecida como Mecanismo Global de Financiamento (Global Financing Facility). Esta pesquisa está em curso em mais quatro países, nomeadamente Tanzania, Burkina Faso, Uganda e África do Sul e envolve editores da The University of Western Cape e da London School of Tropical Medicine and Hygiene. Os resultados serão divulgados numa edição especial. Em Moçambique, o GFF faz parte do Multi Donor Trust Fund, liderado pelo Banco Mundial e cujos fundos são canalizados através do Programa de Fortalecimento de Cuidados Primários de Saúde. Esta abordagem, contrastando com a do mais antigo mecanismo de financiamento, o fundo comum PROSAÚDE, utiliza a abordagem PforR (Performance for Results). Esta abordagem inclui igualmente o financiamento baseado no desempenho cujo aplicação depende grandemente de um avançado nível de descentralização. A pesquisa olha essencialmente para o alinhamento entre o Caso de Investimento (CI) e Project Document Appraisal (PAD), do Banco Mundial, no que concerne à saúde sexual e reprodutiva da Mulher, Jovem Rapariga, Criança Recém-nascida, incluindo a nutrição.
O que os resultados preliminares sugerem?
Alguns dos resultados são: não obstante o alinhamento entre o CI e o PAD, se no primeiro houve grande nível de envolvimento dos actores, no segundo documento são excluindo alguns actores. Por outro lado, apesar de nos últimos anos o Governo representar o maior financiador ao sector, prevalecem lógicas de dependência de ajuda e superdomínio dos parceiros na agenda de políticas de saúde do sector, sobretudo ao nível do Plano Económico e Social do Sector Saúde (PESS).
Como avalia a investigação em Moçambique e a contribuição da UEM, em particular?
A universidade devia constituir o lugar fértil para a discussão de conhecimento e produção de inovação. Infelizmente, os esforços de publicação têm sido feitos de forma individual e com financiamento de outras instituições. A UEM precisa de construir incentivos sérios para a pesquisa, nomeadamente financiar projectos multianuais e incluir as unidades orgânicas distantes de Maputo. Se queremos realmente que a prática seja consistente com o Plano Estratégico vigente, então a carreira docente e de investigador tem de ser melhor remunerada.
Quais é que considera que são os desafios práticos da investigação, sobretudo na sua área?
Financiamento e acesso ao terreno, sendo que este último desafio deriva de complicações para obter as necessárias aprovações do Comité de Bioética para a Saúde.
A UEM está no processo de transformação em Universidade de Investigação. Que conselhos daria aos estudantes para entrarem no campo da investigação?
Penso que precisamos, enquanto país, conseguir um pacto que estabilize os curricula nos diversos subsistemas de ensino. Parece-me que ainda não ajustamos as nossas práticas enquanto universidades, para responderem às transformações que ocorrem a uma grande velocidade no mercado. O estudante está à jusante do processo quando o trabalho precisa de ser bem feito à montante. Não me parece útil aconselhar os estudantes pois estes são o produto de um sistema que precisa de ser revisto.